Por Jéssica Almendro
O processo penal é constituído por fases, cujas durações não são previamente determinadas. Diversos fatores podem impactar o prazo para a sua conclusão, como a complexidade do caso, o número de pessoas envolvidas e a quantidade de processos que tramitam naquele órgão judicial. Esses são os principais elementos que podem influenciar na duração de um procedimento criminal.
Esse período de tempo de duração da ação indeterminado pode ser prejudicial, especialmente para as vítimas nessas ações, que buscam a reparação do dano sofrido. Em certos casos, a demora no andamento processual pode afastar ainda mais as vítimas da restituição daquilo que lhes foi tomado.
Vítimas de crimes patrimoniais, que tiveram seus bens indevidamente subtraídos, estão mais suscetíveis aos prejuízos que podem ser causados pela morosidade processual, pois o criminoso pode facilmente se desfazer ou dar destino incerto ao bem, o que dificulta o trabalho das autoridades na recuperação do patrimônio originário e na restituição ao proprietário legítimo.
Dentre os crimes patrimoniais mais corriqueiros no Brasil podemos citar o crime de furto (art. 155 do Código Penal), o roubo (art. 157 do Código Penal), o estelionato (art. 171 do Código Penal) e a apropriação indébita (art. 168 do Código Penal). Em todas essas infrações, o agente obtém uma vantagem econômica indevida em detrimento de uma ou mais vítimas, podendo esse lucro ilícito ser obtido tanto em valores monetários quanto em bens.
O produto do crime pode ser revertido em outros bens ou mascarado por meio de outras ações que deem uma aparência de legalidade ao que foi obtido pela prática do ilícito, como uma maneira de garantir que a vantagem adquirida se torne parte do patrimônio do seu autor, ou de alguém a quem ele tenha fácil acesso e possa ser influenciado, como um membro da família ou um amigo próximo.
Por esse motivo, buscam-se medidas destinadas a combater o enriquecimento ilícito e a possibilitar o ressarcimento dos danos causados às vítimas.
Para tanto, faz-se necessário ir além da medida padrão de Busca e Apreensão, utilizada para apreender o próprio fruto do crime. Embora seja uma medida restritiva voltada à recuperação da vantagem econômica indevida, é fundamental analisar o caso concreto para determinar a melhor abordagem a ser adotada, de acordo com as circunstâncias de cada situação.
Além disso, considerando que a Busca e Apreensão é uma das medidas mais conhecida pelos criminosos, é raro que eles mantenham o produto diretamente obtido por meio do crime inalterado por muito tempo. Geralmente, procuram se desfazer rapidamente do que foi subtraído, convertendo-o em outro bem, com o intuito de enganar as vítimas e as autoridades.
Um exemplo que ilustra a situação seria o seguinte: se um indivíduo furtar um celular, esse celular será considerado o produto imediato do crime e, portanto, pode ser objeto de busca e apreensão. Porém, se esse celular for vendido e o dinheiro da venda for utilizado para adquirir uma televisão, no momento em que se determinar a busca e apreensão do celular, a medida restará frustrada, pois celular nenhum vai ser recuperado.
Procurando combater a empreitada criminosa de uma forma mais efetiva e impedir o êxito desses criminosos, existem as chamadas medidas assecuratórias, que visam a restrição da disposição e uso de bens e valores pecuniários, com objetivo de assegurar a reparação do dano ao ofendido e a responsabilização monetária do criminoso, através da guarda judicial dos bens.
Essas cautelares funcionam como uma verdadeira corrida contra o tempo, pois têm o objetivo de evitar que o dano causado inicialmente se agrave ainda mais pela morosidade do processo, que vai desde a fase de investigação — o inquérito policial — até o cumprimento de sentença.
O jurista Fernando da Costa Tourinho Filho, em sua obra Manual de Processo Penal, explora o tema nestes termos: “A decisão, no processo de conhecimento, é, muitas vezes, demorada, e essa tardança pode acarretar prejuízo à parte. Assim, para assegurar os efeitos de eventual procedência do pedido formulado na ação, o interessado pode solicitar a realização de providencias urgentes e provisórias. São as medidas cautelares. Sempre que a eficácia prática da função jurisdicional, só atingível mediante longo procedimento, corra o risco de ser diminuída ou anulada pelo retardamento, o processo cautelar, antecipando provisoriamente as prováveis consequências do processo principal, visa a fazer com que o pronunciamento final possa, a seu tempo, produzir efeitos.”
Essas medidas estão previstas no Capítulo VI, artigo 125 e seguintes, do Código de Processo Penal. São elas: Sequestro de Bens, Hipoteca Legal e Arresto.
A primeira medida prevista pelo Código de Processo Penal é o sequestro de bens. O artigo 125 do diploma trata da possibilidade de sequestro de imóveis que apresentem indícios de terem sido adquiridos com recursos provenientes de crimes, podendo ser determinada em qualquer fase do processo ou, até mesmo, durante o inquérito policial.
Essa medida pode ser decretada pelo juiz, que tem a faculdade de decretá-la de ofício – existem divergências na doutrina quanto a essa legitimidade do juiz mencionada pelo artigo 127 do Código de Processo Penal -, a pedido do Ministério Público ou da vítima, ou ainda, por meio de representação da autoridade policial. Uma vez concedida a medida, a restrição deverá ser averbada perante o Registro de Imóveis (artigo 128 do Código de Processo Penal).
Existe também a possibilidade de decretação do Sequestro de bens móveis, previsto no artigo 132 do Código de Processo Penal, quando a Busca e Apreensão não for aplicável, nos mesmos termos do sequestro de imóveis, com exceção do que se refere ao registro, desde que existam indícios de que o bem tenha sido obtido com recursos provenientes da infração.
Vale destacar que, independentemente de os bens terem sido transferidos a terceiros de boa ou má-fé, o sequestro continua sendo plenamente viável. Ao terceiro de boa-fé será possível a oposição de embargos, nos termos do artigo 129 do Código de Processo Penal, demonstrando que o bem foi transferido a ele a título oneroso e que, portanto, agiu de boa-fé pagando o preço que lhe foi atribuído.
A próxima medida assecuratória prevista é a Hipoteca Legal, conforme artigo 134 do Código de Processo Penal, conhecida como direito real de garantia em que um imóvel em nome do agente assegura o direito ao ressarcimento em razão do dano causado, a ser executado após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
Diferente do Sequestro, o qual recai sobre os bens adquiridos com o proveito do crime, a Hipoteca Legal é aplicável para imóveis adquiridos de forma lícita, exigindo somente que exista indícios suficientes de materialidade e autoria delitiva para que seja decretada, podendo ser concedida em qualquer fase da instrução criminal.
Para isso, a vítima deve fundamentar seu pedido, indicando o imóvel ou imóveis registrados em nome do acusado e o valor do prejuízo causado. O juiz, então, nomeará um perito para avaliar o valor do dano e do imóvel indicado. Após a definição do valor da responsabilidade, será realizada a inscrição da hipoteca do imóvel no Cartório de Registro de Imóveis, tornando-a válida contra terceiros.
A última medida a ser abordada é o Arresto de móveis. Prevista no artigo 137 do Código de Processo Penal, entende-se que “Se o responsável não possuir bens imóveis ou os possuir de valor insuficiente, poderão ser arrestados bens móveis suscetíveis de penhora, nos termos em que é facultada a hipoteca legal dos imóveis”.
O artigo apresenta as hipóteses em que o Arresto de bens poderá ser requerido, deixando claro que, assim como na Hipoteca Legal, a medida recairá sobre os bens de origem lícita. Caso os bens sejam obtidos de maneira ilícita, o juiz deverá analisar a possibilidade de aplicar a medida de Busca e Apreensão ou Sequestro, nos termos explicados anteriormente.
O texto legal também menciona que somente se procede o Arresto em relação aos bens passíveis de penhora, devendo se atentar ao disposto nos artigos 649 e 833, ambos do Código de Processo Civil, que estabelece quais bens são impenhoráveis.
O Arresto também pode ser utilizado como uma medida pré-cautelar excepcionalmente quando se pretende requerer a Hipoteca Legal de imóvel em nome do agente.
O procedimento de especialização da hipoteca pode ser demorado, e até sua finalização, o investigado pode tentar se desfazer dos bens para evitar a medida. Para evitar essa situação, o artigo 136 do Código de Processo Penal autoriza o arresto antecipado à especialização da hipoteca. Esse arresto é específico, pois recai sobre o bem que, futuramente, será objeto da hipoteca.
Essa modalidade de arresto pode ser decretada imediatamente, mas será revogada caso a especialização não ocorra dentro de 15 dias. Portanto, o interessado deve agir com agilidade, pois, após esse prazo, o arresto perde a eficácia.
Quando houver uma sentença penal condenatória transitada em julgado, a vítima terá um título judicial, que deverá ser encaminhado ao juízo cível, onde será dado regular prosseguimento ao feito.
Entretanto, caso o acusado seja absolvido da acusação feita a restrição deverá ser levantada, no caso do Sequestro e Arresto, ou cancelada, no caso da Hipoteca Legal, de modo que, os bens voltam a compor o patrimônio do agente.
É importante esclarecer que, para todas as medidas de urgência mencionadas, o objetivo é garantir a indisponibilidade dos bens pelo agente, com o intuito de evitar que o patrimônio seja depreciado durante o curso do processo, garantindo que, ao final, a vítima possa ser ressarcida pelo prejuízo sofrido.
Referências:
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. – 13 ed. – São Paulo: Saraiva, 2010.
LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. – 11. ed – São Paulo: Saraiva, 2014.
CORRÊA JUNIOR, Alceu. Confisco penal: alternativa à prisão e aplicação aos delitos econômicos. São Paulo: IBCCRIM, 2006
STF: AgRg no AREsp 1833912/PR, Rel. Ministro JESUÍNO RISSATO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJDFT), QUINTA TURMA, julgado em 05/10/2021, DJe 26/10/2021