Por Luiz Vassallo
Publicado no jornal O Estado de S. Paulo
Após 14 anos e seis meses, três acusados pelo assassinato a tiros do auditor José Antônio Sevilha, chefe da Seção de Administração Aduaneira da Receita Federal em Maringá, ao Norte do Paraná, vão a júri popular nesta terça-feira, 3. No primeiro julgamento de crime contra a vida na Justiça Federal na cidade, estão no banco dos réus o empresário Marcos Gottlieb, seu funcionário Moacyr Macedo, além de Fernando Renea, apontado como o homem que disparou cinco tiros contra o auditor do Fisco.
Dono da empresa Gemini, Gottlieb é acusado de mandar matar o auditor para evitar devassa do fisco. Seus advogados levantam a tese de que detetives pagos pela mulher do auditor para desvendar uma amante poderiam ter cometido o crime e dizem que um ex-policial paulista acusado de cometer o crime estava em Maringá para uma investigação interna da empresa.
O caso, que causou forte abalo na Receita Federal em todo o País, é acompanhado de perto pelos colegas de Sevilha e seus familiares, que clamam pela condenação do empresário, tido como mandante do assassinato, e os dois apontados como executores.
A execução de Sevilha ocorreu em setembro de 2005. O auditor levou cinco tiros à queima-roupa de pistola 7.65 quando estava estacionado em frente à casa de sua mãe.
Segundo o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil, nos últimos anos, além do caso Sevilha, foram registrados 15 atentados, que resultaram na morte de outros oito agentes. A entidade defende o porte de armas para os auditores do fisco.
A entidade patrocina a assistência de acusação, representada pela viúva de Sevilha, e exercida pelo advogado Odel Mikael Jean Antun.
“À medida em que, partindo-se desse quadro, a ele se vão acrescendo todos os elementos incriminadores já trazidos aos autos – todas as provas periciais, documentais e testemunhais, repetidas em Juízo, é incontestável que se está diante de indícios mais do que suficientes a corroborarem que o serviço prestado em Maringá, por Talarico e Ranea , a mando de Gottlieb, e com a intermediação de Moacyr, foi sim a execução do auditor fiscal José Sevilha”, afirma Antun.
Além de uma sala na Receita Federal em Maringá ter sido batizada com o nome do auditor, em 2009, sua mulher, Mariângela, recebeu na Justiça Federal no Ceará a Comenda Antônio Sevilha, honraria entregue a agentes que tenham sido alvo de atentados em razão do exercício de suas funções.
A Justiça Federal de Maringá existe há 26 anos, e este é o primeiro caso de júri popular, em razão da especificidade de ser um atentado contra um agente público federal no exercício do cargo.
De acordo com a denúncia do Ministério Público Federal, Gottlieb tinha desavenças com Sevilha. Teria cogitado oferecer propina de R$ 200 mil ao auditor, para evitar que as atividades de sua empresa, a Gemini, serem suspensas, em um procedimento administrativo da Receita. Apesar de admitir a propina e os desentendimentos, ele nega o crime.
À época, a empresa era uma das maiores fornecedoras de brinquedos da Disney no Brasil, e era alvo de 12 investigações da Receita Federal. De acordo com a acusação, seu funcionário, Moacyr Macedo, teria sido intermediário na contratação de pistoleiros para executar o crime.
Outros dois chegaram a ser acusados de fazer parte da operação armada para matar o auditor: o ex-policial civil José Luís Talarico, que morreu na prisão, investigado por sequestrar um empresário de ônibus. Outro acusado está desaparecido.
COM A PALAVRA, O SINDICATO NACIONAL DOS AUDITORES FISCAIS
Caso Sevilha: marcado para 3 de março, em Maringá, julgamento de assassinato de auditor fiscal reacende discussão sobre a segurança dos servidores da Receita Federal
Está marcado para o próximo dia 3 de março, em Maringá, o julgamento por crime hediondo do empresário Marcos Gottlieb, acusado de ser o mandante do assassinato do auditor fiscal da Receita Federal, José Antônio Sevilha, em setembro de 2005. Gottlieb, sócio proprietário da Gemini, considerada à época uma das maiores importadoras de brinquedos do Brasil, entrou no radar da Receita Federal por fraude e subfaturamento nas importações. A encomenda do crime, segundo as investigações policiais, foi o último recurso do empresário, depois de várias tentativas sem sucesso de subornar Sevilha. A empresa foi autuada em cerca de R$ 100 milhões e teve toneladas de mercadorias apreendidas, sujeitas à pena de perdimento.
O julgamento do crime na próxima semana reacendeu o debate sobre como reforçar a segurança dos auditores fiscais que trabalham em campo, fiscalizando grandes contribuintes, envolvidos em milionários esquemas de fraude e sonegação fiscal. Segundo levantamento do Sindifisco Nacional, entidade que representa a categoria, o caso de Sevilha não é isolado. A Receita Federal registrou outros 15 atentados contra auditores fiscais nos últimos anos. A maioria dos ataques e ameaças ocorreu nos mesmos moldes do assassinato do auditor de Maringá: fora do trabalho, quando as vítimas entravam ou saíam de casa.
Segundo Kleber Cabral, presidente do Sindifisco Nacional, os auditores fiscais da Receita Federal são frequentemente submetidos a situações de risco e ameaças, que resultam, por vezes, em crimes violentos. “O cenário apresentado, se não abrange todo o universo de atentados, ilustra a vulnerabilidade a que os auditores fiscais estão expostos por exercerem atividades de combate a ilícitos tributários, inteligência e fiscalização. Uma das nossas reivindicações para oferecer um pouco mais de poder de reação dos auditores fiscais a esse quadro de amedrontamento é regularizar o porte de arma de fogo para a autoridade tributária”, diz. Ele acredita que, em muitos casos, essa condição pode intimidar a ação criminosa, e em outros, literalmente, salvar a vida de quem a expõe em favor do cumprimento da lei.
Os auditores da Receita sempre tiveram direito ao porte de arma para defesa pessoal, desde a Lei 4.502, de 1964. Mas a partir do Estatuto do Desarmamento, de 2003, o porte de arma de fogo foi permitido exclusivamente às equipes de repressão aduaneira e ao uso em serviço.
Em tempos em que o Poder central do país defende o enfraquecimento do poder dos fiscais da Receita em aplicar multas a setores como o agronegócio, indústria e igrejas, a percepção de insegurança do auditor fiscal atingiu o pico. Não por acaso, o Sindifisco atua com energia no Parlamento para que o direito do porte irrestrito de arma seja reconhecido e votado com urgência, com o argumento de que as atividades desenvolvidas pelos ocupantes do cargo são de alto risco (auditores fiscais são mais vítimas de homicídio que delegados da Polícia Federal, por exemplo).
Outros aspectos contribuíram para a exposição ao risco do auditor fiscal que trabalha na repressão fiscal. Fatores como a abertura econômica do Brasil a partir dos anos 1990, o aumento da integração com outros países da América do Sul e o salto tecnológico que tem marcado o século XXI, principalmente nas telecomunicações, produziram, como externalidade negativa, um crescimento vertiginoso do crime organizado, que tornou-se também gradativamente mais complexo e sofisticado, principalmente nas regiões fronteiriças.
“Tais contingências afetaram drasticamente o trabalho desenvolvido pela Receita Federal, colocando auditores fiscais em rota de colisão com grandes esquemas internacionais de contrabando, tráfico de drogas, contrafação e sonegação. Os auditores lidam cotidianamente com esse aparato criminoso, sem ter o equivalente respaldo do Estado para sua segurança pessoal, nem sequer o porte de arma de fogo”, ressalta Cabral.
Em 13 de dezembro do ano passado, o governo finalmente encaminhou o projeto de lei 6438/19, atendendo, de forma taxativa, a histórica reivindicação do Sindifisco. O texto do PL modifica o Estatuto do Desarmamento para permitir o porte de arma aos auditores fiscais da Receita Federal, por meio da nova redação conferida ao artigo 6º da Lei 10.826/03. Na Câmara, o projeto tramita em regime de urgência e deve ser apreciado logo no início da sessão legislativa de 2020.
Publicado originalmente no jornal O Estado de S. Paulo.